O novo Marco Legal dos Contrato de Seguros: modernização e desafios para o setor
O novo Marco Legal dos Contratos de Seguros: modernização e desafios para o setor
A promulgação da Lei nº 15.040/2024, conhecida como o novo Marco Legal dos Contratos de Seguros, inaugura uma das mais relevantes reformas do regime jurídico de seguros no Brasil nas últimas décadas. Sancionada em dezembro de 2024 e com vigência prevista para dezembro de 2025, a norma nasce com objetivos claros: modernizar o setor, fortalecer a segurança jurídica, reduzir a litigiosidade e ampliar a transparência nas relações contratuais.
A legislação revogará os artigos 757 a 802 do Código Civil e os artigos 9º a 14 do Decreto Lei nº 73/66 para dar lugar a um marco normativo atualizado e em sintonia com as melhores práticas internacionais.
Prazos e maior proteção ao consumidor
Entre as mudanças, uma das mais emblemáticas é a definição de prazos objetivos para análise de propostas. Antes, não havia nenhuma data limite para que a seguradora se manifestasse, o que gerava insegurança para o proponente. Agora, o prazo é de 25 dias corridos para aceitar ou recusar, sendo obrigatória a justificativa em caso de negativa. O silêncio, nesse contexto, será interpretado como aceitação tácita.
Outro ponto de destaque envolve o cancelamento unilateral de apólices. Por muito tempo, especialmente nos seguros de vida e saúde, seguradoras se apoiaram no antigo art. 763 do Código Civil para rescindir contratos de forma abrupta, mesmo quando o segurado estava adimplente. A nova lei consolida a jurisprudência ao estabelecer que, salvo em casos de inadimplência ou fraude comprovada, apenas o segurado pode encerrar o vínculo. O resultado esperado é maior estabilidade para contratos de longo prazo.
Clareza nas exclusões e equilíbrio contratual
As cláusulas restritivas também passam a ter tratamento mais rigoroso. Redações técnicas, extensas e pouco claras, que muitas vezes dificultavam a compreensão do consumidor, deverão ser substituídas por linguagem objetiva e com destaque gráfico. Em caso de dúvida, prevalecerá a interpretação mais favorável ao segurado, ao encontro da Súmula 302 do STJ.
No tema do agravamento do risco, o equilíbrio foi buscado. O segurado deve informar alterações relevantes assim que delas tiver conhecimento, mas apenas a omissão dolosa poderá acarretar perda da indenização. Por sua vez, a seguradora poderá recalcular o prêmio ou rescindir o contrato. Caso o aumento supere 10%, o segurado poderá rejeitar a alteração, protegendo-se de reajustes desproporcionais.
Sinistros, prescrição e resseguro
O pagamento de sinistros, embora já previsto em 30 dias, ganhou maior detalhamento. Negativas precisam ser formalmente motivadas e atrasos injustificados acarretarão juros, correção e multa. Além disso, o número de pedidos adicionais de documentos foi limitado: no máximo duas vezes, ou apenas uma nos contratos de menor complexidade. No caso de contratos complexos a SUSEP poderá ampliar prazos, porém dentro de limites objetivos.
No que se refere à prescrição, a lei define que o prazo de um ano passa a contar da recusa expressa e motivada da seguradora. Caso haja pedido de reconsideração, a contagem fica suspensa até decisão final. Para terceiros, o prazo será de três anos, a partir do conhecimento do fato gerador.
Um avanço notável ocorreu no campo do resseguro. Agora, segurados e beneficiários poderão acionar diretamente a resseguradora em caso de liquidação da seguradora original. A medida representa maior proteção, sobretudo para quem lida com riscos de grande vulto.
Inovações no seguro de vida
No seguro de vida, a lei trouxe previsões alinhadas a demandas sociais: as indenizações passam a ser impenhoráveis (exceto para pensão alimentícia), não integram a herança e respeitam a livre escolha de beneficiários. Caso estes não sejam localizados em até três anos, os valores irão para o Funcap.
Restrições baseadas em atividades humanitárias, militares ou profissionais de risco foram proibidas. Nos seguros coletivos, alterações contratuais exigirão anuência de 75% do grupo segurado, além da emissão obrigatória de certificado individual.
Impactos no setor automotivo
A Lei nº 15.040/2024 impacta diretamente o setor automotivo ao ampliar a responsabilidade das montadoras que atuam como estipulantes, parceiras comerciais ou intermediadoras em seguros vinculados à venda de veículos, seguros de fábrica, garantias estendidas, seguros de frotas e consórcios. Com o novo marco legal, deixam de ter papel meramente acessório e passam a responder solidariamente por falhas informacionais, cláusulas abusivas ou descumprimento de deveres legais, inclusive perante órgãos como SUSEP, Senacon e PROCONs.
Entre os pontos centrais, destacam-se a revisão dos contratos e das cláusulas de exclusão, adotando uma linguagem clara e objetiva; observância dos novos deveres do estipulante; especial atenção à possibilidade de reclassificação da garantia estendida como seguro; análise criteriosa das práticas comerciais e publicitárias, de modo a evitar o uso de termos imprecisos que possam induzir o consumidor a erro quanto às garantias ou indenizações; observância rigorosa dos prazos legais, em especial o de 30 dias para negativas fundamentadas; e, por fim, a capacitação da rede de concessionárias e corretores, considerando que falhas de informação ou de atendimento poderão ser imputadas diretamente à montadora.
Em síntese, a nova lei redefine o papel das montadoras, que deixam de atuar como meras parceiras comerciais para se consolidarem como agentes com responsabilidade jurídica direta, o que impõe a adoção de medidas estruturadas voltadas à mitigação de riscos.
Desafios para apólices globais
Apesar dos avanços, o novo marco legal traz desafios relevantes para empresas multinacionais que operam com apólices globais, como indústrias e montadoras. Programas master, que integram coberturas em diversas jurisdições, podem enfrentar entraves para adequação ao regime brasileiro, gerando custos adicionais e potenciais gaps de cobertura.
Um exemplo é o caso de recalls globais, que demandam cobertura simultânea em vários países. Se não houver articulação entre a lei brasileira e normas internacionais, aumentam os riscos operacionais. Para mitigar impactos, será essencial adotar cláusulas de governança contratual, mecanismos de mediação, seguros locais complementares e consultoria especializada em grandes riscos.
Além disso, acompanhar debates legislativos sobre arbitragem internacional e liberdade negocial em contratos de maior vulto pode ser essencial para manter competitividade e eficiência.
Um marco para o futuro
Em síntese, a Lei nº 15.040/2024, embora não isenta de desafios, consolida avanços estruturais e jurisprudenciais no regime de seguros brasileiro: maior previsibilidade, transparência e equilíbrio contratual. O setor deve se beneficiar de um ambiente mais confiável, capaz de atrair novos consumidores, reduzir a judicialização e sustentar o crescimento de longo prazo.
Ainda que multinacionais e grandes players enfrentem ajustes complexos, o novo marco legal aponta para um mercado mais moderno, estável e alinhado às práticas globais, conciliando inovação, segurança jurídica e desenvolvimento sustentável do mercado de seguros.