ACC INSIGHT: Domínio Público: Quando o direito encontra a arte
Entra ano, sai ano e algumas listas do mundo da arte continuam sendo muito esperadas. Uma delas é a de obras que entram em domínio público no ano corrente. Obras mundialmente conhecidas já estão nesta condição, como “A Divina Comédia”, de Dante Alighieri. E, em 2023, alguns outros grandes nomes também estarão.
O domínio público é diretamente ligado ao direito autoral. Uma breve análise do tema no tempo nos mostra, ainda que de forma indireta e sem definições legais, a participação do direito autoral na evolução da sociedade desde a Idade Antiga.
A partir de 1710, quando aprovado o Estatuto da Rainha Ana - que a doutrina indica como o primeiro instrumento a legislar sobre direitos autorias – passando pela assinatura da Convenção de Paris (1883) e da Convenção de Berna (1886), diversos países europeus começaram a regulamentar o tema. Buscava-se proteger obras como espetáculos públicos, desenhos e livros, com a definição de prazos que garantissem ao dono da obra – não necessariamente ao seu autor - os direitos exclusivos sobre ela. Ao fim dos prazos legalmente estabelecidos, a obra “cairia em domínio público”.
No Brasil este tema teve sua primeira regulação no Código Civil de 1916, sofrendo alterações pela Lei 5.988/75 e pela Lei 9.610/98 (em vigor), ressaltando ainda a adesão às convenções internacionais sobre o tema.
A Lei 9.610/98 - Lei dos Direitos Autorais, também conhecida como LDA, consolida a legislação sobre direitos autorais, disciplinando em seu artigo 7º as obras por ela protegidas, como: textos de obras literárias, artísticas ou científicas; composições musicais, que tenham ou não letra; e obras dramáticas e dramático-musicais.
Entre outras questões, a LDA também define que o autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica, pertencendo a ele os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou, como a necessidade de autorização prévia e expressa para a utilização de suas obras.
Aos direitos patrimoniais do autor é definido um prazo de proteção de 70 anos, contados de 1° de janeiro do ano subsequente ao de seu falecimento. O mesmo prazo é aplicado para obras póstumas e para obras anônimas ou pseudônimas, sendo que para estes o prazo é contado a partir de 1° de janeiro do ano imediatamente posterior ao da primeira publicação.
Decorrido o prazo de 70 anos as obras com seus direitos patrimoniais protegidos passam a pertencer ao domínio público, conforme o artigo 45 da LDA, competindo ao Estado a defesa da integridade e autoria dessas obras – os direitos morais. É a partir desse momento que deixa de ser necessária a autorização do autor para reproduzir, distribuir, traduzir, publicar ou adaptar suas obras.
Importante ressaltar que o domínio público diz respeito apenas ao término da proteção dos direitos patrimoniais do autor, permanecendo assegurada a proteção aos direitos morais, aqueles previstos no artigo 24 do LDA, podendo alguns deles ser transmitidos aos sucessores em caso de morte do autor.
Neste ano, obras como os livros “Ao farol”, de Virginia Woolf, “Homens sem mulheres”, de Ernest Hemingway e ” Farrapos de ideias”, de Antonieta de Barros entraram em domínio público, assim como o filme Metropolis”, de Fritz Lang, uma das principais obras do expressionismo alemão, um filme de ficção científica de 1927, que se passa em um futuro distópico em 2026 e possui uma fala famosa e reflexiva: “Head and hands need a mediator. The mediator between head and hands must be the heart!”
Essas obras podem ser acessadas em alguns sites que têm como missão compartilhar conhecimento de forma equânime, colocando-as à disposição de todos, como o portal Domínio Publico do Governo Federal e a biblioteca virtual do Internet Archive.
O domínio público facilita que obras renomadas, que colaboram com a evolução da humanidade enquanto sociedade, retratando guerras, conquistas de diversos cunhos sociais e acontecimentos históricos, cheguem a toda população de forma acessível, possibilitando além da geração de conhecimento para todos, a promoção da cultura, que por vezes está distante da maioria da população.