STJ sugere medidas para promoção de citação por aplicativos de mensagem
Os meios digitais e a aplicação de novas tecnologias vêm ganhando cada vez mais espaço e já são essenciais na realidade da maioria das pessoas. Dessa evolução informativa não se excluem os atos processuais em si próprios, bem como as instituições jurídicas que lhes praticam, pois se busca cada vez mais a maior celeridade processual, com a aplicação de meios eletrônicos que viabilizem a concretização do princípio da Razoável Duração do Processo.
À exemplo disso, quando do julgamento do Habeas Corpus nº 641.877, o Superior Tribunal de Justiça inovou ao criar critérios validadores para que sejam procedidas citações por aplicativo de mensagens em ações penais.
Pois, na prática forense não é raro estar diante de processos estagnados em virtude da impossibilidade da localização e citação de uma das partes que integram o polo passivo de uma demanda. Essa situação, bastante corriqueira – e algumas das vezes criada propositadamente pela parte – poderá em muitos casos ser evitada se for observado e devidamente aplicado ao longo do tempo o julgado da corte superior.
Considerando a importância da citação, compreendida como ato inaugural e sendo o chamamento das partes demandadas ao processo, o legislador cuidou de delimitar de modo taxativo as hipóteses de sua ocorrência, sempre privilegiando a citação pessoal. Ocorre que a cautela do legislador se contrapõe aos entraves e dificuldades desse ato ser efetivado no dia a dia, ainda mais quando contrapostas às facilidades ofertadas pelas tecnologias atuais.
Daí se questiona: diante da corriqueira utilização dos aplicativos de mensagem e das novas tecnologias, é possível e legal a realização da citação por esses meios atípicos? A resposta tende a ser positiva, desde que observadas medidas de segurança pelos operadores do direito e pelas partes do processo.
Muito embora o Código de Processo Civil tenha sido promulgado há pouco mais de 5 anos, quando o uso dos aplicativos de mensagens já era popularizado, não se previu de modo expresso a possibilidade da citação ocorrer por essa ferramenta. Todavia, em relação à citação, ainda, o texto aponta a possibilidade de ser feita em qualquer lugar em que se encontre o réu, o executado ou o interessado.
Sendo assim, há plena possibilidade de se compreender que o telefone celular e a rede de internet possam ser considerados como o lugar físico em que a parte “pessoalmente” se localiza. Pois o mesmo Código prevê expressamente que, devidamente atingida a finalidade essencial do ato processual, não será posta em xeque sua validade por falta de observação da forma, salvo quando a lei expressamente a exigir.
Esse mesmo entendimento é replicado na Lei 11.419/2006, reguladora da informatização do processo judicial, que nos seus artigos 6º e 9º chancela a validade da citação por meio eletrônico, desde que o acesso à íntegra dos autos processo seja disponibilizada ao citando.
Apesar das exceções acima previstas representarem verdadeira atipicidade às hipóteses taxativas e formais de citação, conforme se demonstrou, a própria legislação processual autoriza que os atos processuais sejam considerados válidos, ainda que flexibilizadas as formalidades legais.
Nessa toada de flexibilização do formalismo é que as medidas jurídicas e legislativas são postas em foco ante a necessidade da submissão de todos ao distanciamento social. A pandemia da COVID-19 voltou todos os olhares à prática de quaisquer atos de à distância e, geralmente, em formato digital. Não por acaso o Conselho Nacional de Justiça veio a emitir diversas orientações com o fim de se valer do uso dos meios atípicos de comunicação para o fim de regulamentar a continuidade dos serviços judiciais e extrajudiciais durante a pandemia, sendo que por meio da Resolução CNJ nº 313/2020 estabeleceu a suspensão de atendimento presencial das partes, advogados e interessados, provisionando o atendimento por meios tecnológicos disponíveis.
Atento a essa realidade, o STJ propôs a regulamentação dessa regras, destinada a chancelar a validade da citação em meios informais. Mas não sem ressalvas.
Para a validade da citação por meios atípicos é imprescindível ser assegurada a idoneidade e segurança da informação transacionada pelos aplicativos de mensagens. Sendo assim, se faz necessária a comprovação de que a parte foi devidamente convocada para participar do processo.
Essa cautela pode ser confirmada por medidas simples: pode ser considerado citado aquele que responder expressamente a mensagem encaminhada por aplicativo, ou então quando a mensagem for assinalada como azul, sem prejuízo de se exigir que o citando envie uma selfie com rosto e documento de identificação. Contudo, somente a prática verificará os ideais termos em que a citação por Whatsapp (por exemplo) deverá ser realizada. Em suma, há várias formas de confirmar o recebimento da citação por meios atípicos.
A flexibilização cautelosa do procedimento formal foi, inclusive, regulamentada por diversos Tribunais. Aqui podemos referenciar a institucionalização do uso do aplicativo WhatsApp pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que por meio do Provimento nº 86/2019, passou a autorizar não apenas a intimação, mas também a citação; também o Tribunal de Justiça do Paraná, pela Instrução Normativa Conjunta nº 01/2017 regulamentou apenas intimações no âmbito dos Juizados Especiais, a partir da assinatura do termo de adesão; e o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que pelo Ofício-circular nº 47/2018, disciplinou apenas a intimação processual, mediante anuência prévia do destinatário. Os Tribunais de Justiça de Minas Gerais, Distrito Federal e Territórios e do Estado do Rio de Janeiro também editaram regulamentações similares.
Se a propensão de mitigar o formalismo da citação e das comunicação dos atos processuais se fez sentir pelo Poder Judiciário, pelos exemplos já mencionados, o mesmo pode ser dito sobre a percepção do Poder Legislativo sobre o tema. Atualmente tramitam de projetos de lei que pretendem regulamentar de forma direta a utilização de aplicativos de mensagem não só pelas partes, mas também pelo procuradores, nas esferas cível, trabalhista e penal, como é o caso dos PL n. 1595/2020 e n. 1595/2020.
Diante desse contexto se extrai que, eficientes e sempre acessíveis, os aplicativos de mensagens são usados para prática de atos cotidianos e, por mais que não se perceba, também para a realização de negócios jurídicos entre particulares. Desde a compra de mercadorias (contrato de compra e venda) até o agendamento de consultas médicas (contrato de prestação de serviços), o uso dos novos meios de comunicação é inafastável. O Poder Judiciário tende a seguir essa lógica de modernização, mas sem perder de vista o aspecto da formalidade, agora flexibilizada, prevista em lei.
É de se aclamar, considerando todo o exposto, a decisão do STJ. Sua atualidade e inovação é congruente com o atual cenário social e tecnológico e, portanto, merece ampla aplicação e estudo. Ressalva-se, contudo, a necessidade de busca de melhores embasamentos sistêmicos e procedimentais à realidade forense quando da aplicação de novas tecnologias, para que seja assegurado ao jurisdicionado a segurança jurídica que lhe é devida e inviolável.