E-notariado: a possível mudança de paradigma nos atos notariais
Não se discute que a pandemia ocasionou uma abrupta mudança na rotina de todos, demandando adaptações rápidas para evitar a paralisação das atividades que dependiam da prática de atos presenciais. Tal desafio se intensificou no setor público em face da estrutura que, em geral, não evoluiu na mesma velocidade dos avanços tecnológicos.
Neste contexto, inserem-se os cartórios extrajudiciais, pois suas atividades possuem natureza de serviço público, ainda que exercido por agentes delegados (notários e registradores), devendo seguir as normas expedidas pelo Poder Judiciário, sendo também por este fiscalizado. Por isso que, muito embora sua gestão possa ser realizada de forma autônoma, a implementação de qualquer inovação que interfira na feitura do ato em si, depende de normas específicas autorizando a prática, eis que pode gerar discussões acerca da validade e efeitos do ato praticado ou do próprio negócio jurídico.
Assim, o cenário que se instaurou forçou o desenvolvimento de ferramentas que conciliassem tecnologia e segurança jurídica no âmbito dos cartórios de notas, o que, finalmente, proporcionou a implantação do e-notariado.
O e-notariado corresponde a plataforma online de serviços notariais construída sobre uma plataforma na Blockchain apelidada de Notarchain e desenvolvida pelo Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal em parceria com suas seccionais, sendo seus custos financeiros suportados exclusivamente pela entidade de classe nacional, sem qualquer ônus para o Estado.
O lançamento da plataforma online ocorreu em abril de 2019, porém em razão da pandemia foi necessária sua modernização e regulamentação, que se deu pelo Provimento 100/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para sua efetiva implementação no contexto dos cartórios notariais. Referido Provimento introduziu importantes conceitos que permeiam esta nova realidade, trazendo a multidisciplinariedade que o tema requer, bem como estabeleceu os requisitos para gerais para prática de qualquer tipo de ato notarial, que se resumem a assinatura digital das partes e do tabelião, realização de videoconferência, concordância expressa e utilização de formatos que permitam o armazenamento dos arquivos de forma duradoura.
O processo se torna inteiramente eletrônico desde a primeira etapa, em que o cidadão encaminha eletronicamente toda a documentação necessária para a prática do ato, até o momento em que o tabelionato lavra e encaminha à parte o ato notarial eletrônico que possui a mesma validade jurídica do ato notarial físico. Além de possibilitar atos notariais de forma remota e permitir o intercâmbio de documentos, informações e dados entre os notários de maneira ágil, a plataforma facilita a solicitação de serviços e a realização de convênios, tendo em vista que padroniza a elaboração de atos notariais.
No que tange a utilização do serviço eletrônico, é necessário o cadastramento das partes na plataforma para que os tabeliães possam realizar o encaminhamento das minutas. Assim, após a concordância das partes, será realizada a videoconferência na qual a assinatura do ato será através de certificado digital, que pode ser emitido gratuitamente pela plataforma. Ademais, caso uma das partes não tenha acesso a um meio eletrônico, computador ou smartphone, para a assinatura do ato, este poderá ser praticado na modalidade híbrida, em que uma das partes comparece ao tabelionato e a outra assina digitalmente, nos termos do artigo 30 do Provimento.
Trata-se de procedimento simples e acessível, que ao mesmo tempo preserva a formalidade dos atos, sendo uma dessas ferramentas a obrigatoriedade da videoconferência, para se assegurar que a pessoa possui capacidade jurídica, que está lúcida e que é realmente ela assinando o ato, atestando que sua manifestação não possui qualquer vício de consentimento.
Além das vantagens diretamente relacionadas à implementação do e-notariado, como a segurança, a desburocratização e a praticidade, podemos atribuir a tal implementação a economia nos custos financeiros de deslocamento. Tendo em vista que para a assinatura do ato notarial muitas vezes se fazia necessário o deslocamento de uma cidade para outra ou ainda entre estados, resultando em gastos, agora desnecessários, com passagem de ônibus ou avião, gasolina para o carro e até mesmo estadias em hotéis, por exemplo.
Neste sentido, a inovação tecnológica na área dos atos notariais foi necessária para uma adaptação ao cenário atual, mostrando-se um passo importante para a otimização do serviço notarial, e talvez uma possível mudança de paradigma neste setor tão apegado às práticas tradicionais, tornando o serviço público prestado, além de mais ágil e eficiente, adequado às novas demandas da sociedade.