Artigo: A Execução de Políticas Públicas e a Proteção de Dados: Medida Provisória n. 982
Com o início da distribuição do Benefício do Auxílio Emergencial, o Governo Federal identificou alguns problemas em seus procedimentos para repasse dos valores às pessoas cadastradas e aptas para tanto.
No dia 13 de junho, entrou em vigor a Medida Provisória n. 982, que dispõe sobre a conta do tipo poupança social digital para recebimento desses valores, via abertura automática junto às instituições autorizadas integrantes do sistema financeiro.
A mesma conta poderá ser utilizada para recebimento de outros benefícios como: Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (suspensão ou redução da jornada de trabalho); Auxílio Emergencial do Trabalhador Intermitente; Auxílio Emergencial dos participantes do Programa de Integração Social ou do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público; bem como, para o saque de valores do FGTS, para os casos previstos na lei. Na hipótese de ampliação dos benefícios criados para enfrentamento do estado de calamidade pública, reconhecidos e autorizados pelo Conselho Monetário Nacional, esses também poderão ser acessados por essas contas.
No que se refere à abertura de contas, invariavelmente, há o tratamento de dados pessoais de seus titulares. Assim, questões de privacidade e proteção de dados devem ser consideradas nesse contexto. Inclusive, necessitam ser avaliadas à luz das disposições da LGDP (Lei n. 13.709/2018), que mesmo ainda não em vigor, traz as diretrizes para a proteção de dados pessoais.
A MP, em seu inciso IV, art. 2º, dispensa o envio de documentos para a abertura da conta das pessoas já cadastradas pela instituição financeira, pelo agente operador ou pelo órgão público responsável. Ou seja, a transferência de dados interna ou externa se dá sem o consentimento de seu titular (inciso I, art. 7, LGPD).
Mas, nesse caso, como os dispositivos da MP visam desburocratizar procedimentos para facilitar o acesso aos benefícios de enfrentamento à crise, a permissão para o tratamento e uso compartilhado de dados pela administração pública para execução de suas políticas públicas, encontra base legal no inciso III, art. 7 da LGPD.
Já o § 5º do art. 3º da MP estabelece a proibição de utilização destes dados para outros fins, bem como da transferência dos dados a terceiros pelas instituições financeiras, sem a devida autorização do titular ou nas hipóteses legais (quebra de sigilo bancário).
Neste trecho, a observação aos dispositivos da LGPD é evidente. Há a reafirmação dos seus princípios basilares: os dados pertencem aos seus titulares e somente poderão ser utilizados para fins já estabelecidos e informados (a execução das políticas públicas, ou seja, o depósito do Benefício do Auxílio Emergencial).
O Estado pode fornecer os dados dentro da finalidade informada. Mas, a instituição financeira deverá mantê-los em base de dados separada de seus clientes habituais. Isso porque, não poderá utilizá-los da maneira que utilizaria os dados de clientes que firmaram um contrato, permitindo sua utilização para além da abertura de uma conta bancária.
No entanto, é admitido que a instituição financeira consulte o titular dos dados para consentir na utilização de suas informações para outros fins. Quando autorizado, não haverá diferenciação no tratamento dos dados em relação aos dos demais clientes.
Por fim, é clara a adequação da MP aos dispositivos da Lei Geral de Proteção de Dados. Ainda que paire a incerteza sobre a data de sua entrada em vigor, o Estado, controlador de dados pessoais diretos e dados pessoais sensíveis, já incorpora os dispositivos da LGPD em seus atos. Sábia decisão para se coibir abusos e exploração indevida da privacidade de seus cidadãos.